sábado, 10 de novembro de 2012

Ensaio sobre a culpa

Preparam-se grandes manifestações anti-Merkel. Pelo menos é o que a comunicação social nestes últimos dias, insistentemente, nos diz ou quer que aconteça. Presumo que quem nelas participar o fará por imputar à senhora a culpa ou a identificar como a causa principal de toda esta crise, de todos os nossos males. E ao fazê-lo, tal qual o adepto que vai ao futebol insultar o árbitro, conseguirá, pelo menos, aliviar o seu stress.

Gostava de pensar assim, de achar que a culpa, ou a maioria dela, é de alguém ou de algo que me é totalmente alheio ou exterior ao país em que vivo.

As linhas que escrevo a seguir são uma reflexão sobre essa culpa.
Talvez tenha pouca importância reflectir sobre o tema. Mais importante que isso é, com toda a certeza, aquilo que o país está ou não a fazer para sair da crise que nos assola.
Talvez o que vou escrever vá contra o sentimento de inocência que todos parecemos sentir quando nos indignamos perante mais um bocado, do pouco que já temos, que nos foi tirado.
Talvez estas linhas sejam só uma expressão de desilusão!

De quem é a culpa?
De certo já todos muitas vezes colocamos esta questão. Num país em que é costume ela morrer solteira, acho que lhe consigo encontrar bastantes maridos.

Começo por todos nós portugueses (em idade adulta).
Sim todos nós, por muito que nos custe aceitar isto, temos a nossa parte de culpa.
Têm culpa aqueles que elegeram os diversos governos que dirigiram o país nestes 38 anos de democracia e que nos conduziram a esta situação de "assistência financeira". E têm culpa também aqueles que não foram lá votar, pois deixaram os outros decidir. É este um dos custos deste regime que, apesar de não ser perfeito, é o melhor que se conhece. Se tivéssemos um ditador nestes 38 anos, aí sim não teríamos esta parte da culpa. Mas tal não significaria, necessariamente, que nos sentíssemos melhor. 
Têm culpa aqueles que aceitaram sem protestar todos os créditos que lhes deram. Para uma casa, um carro, uma viagem uma televisão, um telemóvel e muitas outras necessidades que antes não eram necessidades. Coisas para as quais não tinham dinheiro, mas que conseguiram adquirir.
Quase todos nós aceitámos isto, pois achávamos que era algo a que tínhamos direito. E talvez tenhamos. O problema é que as compramos com dinheiro que não tínhamos. E agora estamos a pagar esse dinheiro, com juros. Talvez seja isto o "viver acima das nossas possibilidades". Talvez seja disto que a senhora Jonet está a falar!
Têm culpa também aqueles que acharam que tínhamos direito a andar em auto-estradas, que devíamos ter um Europeu de futebol ou um submarino para defender a nossa costa atlântica. Quantos de nós não acharam isso, naquela altura? E não temos direito a isso? Temos. O problema é que pedimos emprestado para o ter.
Também não protestamos quando a CEE nos despejou dinheiro para não termos agricultura. Ou para frequentarmos uma formação qualquer. Ou para fazer umas obras lá na casa da aldeia à custa do turismo rural. Ou para termos um certificado de habilitações. Ou para muitas outras coisas. O problema é que pensamos que isso era de graça!
E não temos culpa também quando achamos que era socialmente correcto dar dinheiro a quem não tinha condições mínimas (rendimento mínimo garantido e afins)? Socialmente correcto talvez seja, o problema é que esse dinheiro não cai do céu.
Em resumo, influenciados ou não pelo que nos disseram, o certo é que todos achámos ter direito a muitas coisas que, talvez, sejam mesmo um direito que nós deveríamos ter. O problema é que poucas vezes questionamos se podíamos suportar isso tudo. Como cidadãos temos culpa pois a nossa consciência cívica deveria ter-nos confrontado com a sustentabilidade dos nossos filhos e netos.

Uma outra (grande) fatia da culpa vai para a classe política, em especial para aqueles que nos governaram nestes 38 anos.
Poucos foram os que governaram para os seus sucessores.
Poucos foram os que pouparam, muitos os que gastaram. 
Muitos foram os que governaram para a próxima eleição. Por isso não tiveram pejo em endividar o País. Com isso ganharam muitos votos, muitos mandatos e lugares de destaque. E os seus amigos muitos negócios. Poucas vezes se lembraram que estavam a gerir o que era de todos nós.
Alguns conduziram-nos a negócios verdadeiramente ruinosos, talvez até criminosos.
Poucos nos avisaram para o que podia acontecer. Procuraram até incentivar este nosso desejo de satisfazer aquilo a que achávamos ter direito. Um padrão de vida verdadeiramente europeu (embora agora eu já não saiba muito bem o que isso significa), era aquilo a que todos os Portugueses tinham direito. Pois, mas como é que isso se sustenta num país que nem consegue produzir o que consome?
O País fez como as famílias, endividou-se!
E lá fora, cedemos sempre a troco de mais uns tostões. Não soubemos ou não quisemos proteger muito daquilo que era a nossa base de sustentação. O sector primário foi dizimado e o secundário ficou extremamente debilitado. Resta o terciário. O problema é que ninguém tem dinheiro para comprar seja o que for!

Os banqueiros são também culpados.
Todos os dias nos enviavam para casa um cheque ou um novo cartão de crédito.
Competiam entre eles para ver quem nos fazia o empréstimo da casa. Olhavam para nós com surpresa quando questionávamos como poderíamos comprar uma nova casa se ainda nem um ano tinha passado desde que contraímos o empréstimo daquela onde estávamos a morar.
Até para comprar acções nos davam crédito!
E ao País também. Era só pedir que eles iam lá fora comprar dinheiro para vender ao governo que o solicitasse.
Enquanto isso, pegavam no dinheiro que iam ganhando e embarcavam em investimentos fantásticos que lhes davam lucros fabulosos em espaços de tempo mínimos.
Tudo gerido por gente da maior competência, que todos os dias tinha um prémio de desempenho ou uma promoção pelos fantásticos números conseguidos ou pela enorme criatividade revelada.
De repente, alguém viu que o rei ia nu, que os palácios estavam construídos na areia. E a coisa, nalguns casos, ruiu. Mas lá estava o estado para suportar os cacos.

Os jornalistas também são culpados.
Os interesses económicos (e políticos) dominaram a comunicação social. Passou a ser difícil distinguir informação de persuasão. Passamos a ser constantemente matraqueados com a mensagem que convém ao interesse X ou ao grupo de pressão Y.
Os deveres de alerta, de honestidade e de clareza foram substituídos pelo índice de audiência, pelo sensacionalismo e por outras coisa do mesmo género.
E pior que isto tudo, o país passou a ser governado para agradar à comunicação social. Sem ela não se conseguiria ganhar um eleição.

Outros culpados haverá, mas a lista e o post já vão longos. E com certeza serão internos.

Posso não gostar da Merkel ou dos Finlandeses ou dos Holandeses. Mas quando lhes aponto um dedo tenho os outros quatro a apontar para mim!

2 comentários:

Anónimo disse...

Finalmente alguém...
Obrigado!

Point du Lac disse...

É verdade.
Mas repare: este problema não se verifica apenas em Portugal.
Isto é a natureza da sociedade do século XXI. Quantos interesses económicos e políticos estarão escondidos? Acredite que as notícias que nos chegam pela comunicação social não são de modo algum totalmente verdadeiras.
No fundo, tendemos sempre a permanecer ignorantes, porque é o que convém aos governantes do nosso país e aos governos com grande poder económico e financeiro. A questão é: existe alguma medida que possamos tomar?