sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

O fim dos planos de recuperação

Já é costume acontecer isto. Quando o trabalho aperta e o tempo parece não chegar é que o Ministério resolve despejar em catadupa uma série de novidades. Primeiro a história da base de dados do DGAE, depois a avaliação do desempenho e agora o novo despacho que regula a avaliação do ensino básico. Tudo num espaço de 3, 4 dias. Parece que alguém acordou da uma hibernação em que tem estado desde finais de Agosto.

Como disse, o tempo é pouco para escrever. Mas o aparecimento deste novo despacho merece algumas linhas.

Começo pelo modo e pelo tempo.
Mais uma vez, o c_rn_ é o último a saber. Primeiro aparece a notícia na comunicação social. Só mais tarde surge a novidade nos sites institucionais. Os interessados, esses, acabarão por descobrir por eles próprios.
E a novidade é que vai para publicação em Diário da República. Ou seja, estamos a cerca de 10 dias dos Conselhos de Turma de avaliação, muitos Conselhos Pedagógicos já aprovaram as normas que regulam a avaliação e eis que vai chegar um novo despacho, que ainda não o é, mas que vai alterar tudo e é para aplicar!
Infelizmente, é um déjà vu. Infelizmente, mostra a consideração que a educação merece por parte de quem tem obrigação de a conduzir.

Continuo pelo conteúdo.
O tempo só permitiu uma leitura na diagonal. Mas há já algo a referir.
Mesmo sendo eu contra este frenesim de revogar legislação ainda criança, saúda-se o fim do Despacho Normativo 50/2005. Ele era um dos expoentes máximos daquilo que é a visão descontextuada da educação  e da escola, talvez daqueles que nunca lá trabalharam, e que rapidamente se tornou num preencher de papelada sem relevância, conteúdo ou propósito. Preenchia-se porque tinha que ser. Faziam-se umas estatísticas no final e rotulavam-se de sucesso ou insucesso. O aluno, esse, muitas vezes só sabia que "estava sob um plano de recuperação" porque, também ele, lá tinha de preencher umas cruzes. O que acabei de escrever só foi possível porque o dito despacho vai ser revogado. Talvez assim já não esteja a cometer nenhum sacrilégio. É que eu sei que ainda há muita gente que acredita nestas coisas. E sei também que, não tarda nada, outros papeis do género serão criados para substituir estes. Veja-se o caso do falecido PCT que já tem substituto. Mesmo ninguém sabendo o que é o Plano de Turma (PT).
Não deixa de ser interessante também analisar as justificações que se apresentam para acabar com os planos de recuperação. A melhor é que as escolas "perverteram" os planos ao obrigarem os alunos e o Encarregados de Educação a assumirem nesses papéis as suas responsabilidades.
Pois, este é que é o problema principal no insucesso escolar. O sucesso escolar pressupõe trabalho, estudo, persistência, respeito de normas, adopção de condutas e atitudes, acompanhamento e responsabilidade. Estas características não podem ser substituídas por papéis, por muito completos que eles sejam ou por muitos quadros de cruzes que eles tenham ou até (aqui vai outro sacrilégio) por muitas aulas de apoio. Podem crer que se aquelas características se verificarem, sobrarão então poucos casos, esses sim que necessitam de intervenção particular e, porventura, especializada.

Finalizo, expressando o meu desalento por não se ter aproveitado para mudar dois aspectos que considero profundamente errados no modo como se faz a avaliação no ensino básico.

O primeiro é aquele que se refere à transição para o ano seguinte no caso de anos não terminais de ciclo (7º para 8º ou 8º para 9º, por exemplo). A transição do aluno continua a ser fundamentada em critérios pouco claros, para não dizer subjectivos. O aluno transita sempre que "demonstra ter adquirido os  conhecimentos e desenvolvido as capacidades essenciais para transitar para o ano de escolaridade seguinte". O que quer isto dizer? Como é que isto se concretiza? Pode ter 2 negativas? 3? 4? Não há resposta. Depende do julgamento do Conselho de Turma. Tal julgamento é subjectivo!
É claro que isto é outro sacrilégio. Se não fosse assim como é que se melhoravam as taxas de sucesso ou se dizia que os planos de recuperação tiveram sucesso? Este modo de transitar de ano é, afinal, uma exigência (administrativa) do próprio sistema educativo ou de quem o dirige e precisa de apresentar resultados no final.

Depois temos as perversidades do sistema de avaliação no seu melhor.
Este novo despacho mantém que os Conselhos de Turma têm que garantir tanto a "natureza globalizante" da avaliação sumativa como os critérios de avaliação. Eu explico: um aluno tem quatros e cincos a todas as disciplinas, menos a uma, à qual tem três (que era dois mas que o professor se envergonhou de propor ao Conselho de Turma). Resultado: com base na "natureza globalizante" da avaliação aquele três passa para quatro (ou cinco). Nesse momento em que a nota foi alterada, os critérios de avaliação daquela disciplina foram deitados ao lixo!
Nesse momento também os outros professores que acharam por bem considerar a tal "natureza globalizante" da avaliação alteraram a nota atribuída por um colega. Fizeram aquilo que a Lei lhes manda pois a decisão quanto à avaliação final do aluno não é deles individualmente mas do Conselho de Turma. Ou seja eu passo a ser responsável pelas notas que os meus colegas atribuem e eles são responsáveis pelas minhas.
Imaginem isto num conselho de médicos. Está lá um cardiologista, um de medicina interna, um otorrinolaringologista, um urologista, enfim, os que entenderem. E está lá também um ortopedista.
Começa o cardiologista e diz que o paciente está óptimo do coração. Os outros dizem que ele está bom ou muito bom nas suas especialidades. Mas o paciente tinha partido a perna, pelo que, o ortopedista diz que o paciente necessita de continuar em tratamentos. Conclusão, atendendo à natureza globalizante do bem estar do paciente, o conselho de médicos decide alterar o prognóstico do ortopedista e considerar que o paciente está curado da perna. Mais, os outros médicos passam a ser responsáveis pelas decisões do ortopedista, podendo até alterá-las.
Passados uns meses esse doente resolve consultar outro ortopedista. Este novo médico fica muito admirado quando encontra o paciente no fundo as escadas do seu consultório. O desgraçado não conseguia subir escadas!

Em resumo, podia ter-se aproveitado a oportunidade para fazer mais. O que parece é que isto é mais do mesmo, talvez com menos papéis!

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